terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

ESSA CRISE NÃO PARA DE AVANÇAR
David Rosenberg - Ex Merrill Lynch

Quando ouvimos dizer que os problemas econômicos de Grécia, Portugal e Espanha - os países mais endividados da zona do euro - devem permanecer seguramente contidos nas suas fronteiras, isso é indício de encrenca.
Afinal, escutamos a mesma baboseira em 2007 quando a liderança financeira dos Estados Unidos falou sobre a bagunça nas hipotecas subprime.
Tanto o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Ben Bernanke, quanto o então secretário do Tesouro Henry Paulson fizeram numerosos pronunciamentos para garantir a investidores preocupados que os problemas hipotecários não contaminariam o restante da economia.
Como sabemos agora, o drama das hipotecas foi contido - nos limites do planeta Terra. E o mesmo pode acontecer com os países exageradamente alavancados na Europa.
O contágio é simplesmente um fato inescapável em nossa economia global e nossos mercados financeiros, tão interconectados. E isso significa que os investidores precisam se preparar para novos giros nos mercados de ações e títulos conforme o grande e doloroso processo de redução da alavancagem que teve início em 2007 e prossegue em todo o mundo.
Há certamente alguns raios de luz em meio à melancolia. Um exemplo disso é o algo animador relatório da situação do emprego, publicado na sexta feira. Mas esse é apenas um indicador, e não reúne força suficiente para melhorar a situação de temas muito mais amplos e ainda sem solução, como o temor dos investidores diante de uma possível moratória nas dívidas de Grécia, Portugal e Espanha.
“Isso nos lembra que todo país tem seu limite”, disse David A. Rosenberg, economista-chefe e estrategista da Gluskin Sheff & Associados, uma das maiores firmas canadenses de administração de capital, com sede em Toronto. “Nossa grande preocupação com a qualidade do crédito soberano não será relaxada num futuro próximo.”
Durante seus anos como economista-chefe do Merrill Lynch em Nova York, Rosenberg demonstrou grande perspicácia. Assim, sua interpretação das potenciais consequências dos problemas nos países em dificuldades financeiras é considerada valiosa.
Primeiro, Rosenberg reconhece que a fuga para o dólar deve continuar. Apesar de os Estados Unidos enfrentarem seus próprios desafios econômicos - uma imensa dívida pública que se equilibra sobre uma economia em dificuldades, por exemplo -, ele sustenta que a situação do país é muito melhor do que aquela encontrada no restante do mundo. “Em terra de cego, aquele que tem um olho é rei”, afirmou. “O dólar americano é esse rei de um olho só.” Mas isso não quer dizer que nosso expurgo das dívidas tenha acabado.
“Quando observamos a situação na Europa, não fica claro se aquilo que está na raiz de nossos problemas domésticos foi solucionado”, disse Rosenberg. “Ainda encontramos uma situação de extrema fragilidade: o balanço patrimonial dos lares, a mora, as inadimplências e o preço dos imóveis são fatores que permanecem vulneráveis a um novo período de declínio. As pessoas parecem pensar que, por termos concluído o primeiro estágio deste colapso do crédito pós-bolha, o problema já está resolvido.”
Quanto ao preço dos imóveis, Rosenberg espera ainda um declínio entre 10% e 15% ao longo dos próximos anos. Ele destacou os cerca de 9 milhões de unidades habitacionais disponíveis para venda em todo o país, uma taxa de desocupação bastante alta quando comparada a um total de 130 milhões de unidades habitacionais.
Se essa previsão estiver certa, o número de moradores com dívidas que superam o valor de seus imóveis vai aumentar significativamente.
Rosenberg estima que metade dos americanos com imóveis hipotecados pode cair na inadimplência até 2011.
No momento, esses americanos endividados não podem contar com a ajuda dos credores - o que não surpreende - nem com o auxílio do governo.
Na verdade, o programa de modificação de empréstimos do governo Obama permitiu, em boa medida, que os bancos detentores de segundas hipotecas sobre os lares de cidadãos endividados continuassem a pressionar pelo pagamento integral destas obrigações.
Quanto à desvalorização do montante principal nas hipotecas, o governo exerceu sobre os detentores das primeiras hipotecas uma pressão maior do que aquela exercida sobre as instituições detentoras das segundas hipotecas. Aparentemente, o fato de os segundos ônus não terem nenhum valor, devendo ser desvalorizados até o zero, não preocupa ninguém.
Essa abordagem para as segundas hipotecas, que ignora todos os males, faz parte de uma negação generalizada por parte de membros do governo, políticos, banqueiros e reguladores que só prolongou a agonia provocada por essa crise. Admitir o valor real dos empréstimos é um remédio amargo, mas negar a existência dos problemas só faz adiar o inevitável.
“Estamos muito mais avançados no rumo da correção de preços e da divulgação plena do que o Japão estava neste mesmo estágio de sua contração de crédito”, disse Rosenberg. “Ainda há nos Estados Unidos alguns problemas de crédito bastante significativos e, como estão associados a imóveis comerciais, considero-os extremamente preocupantes. É provável que alguns bancos sejam duramente atingidos.” O desafio enfrentado por Obama está no fato de ele ter gasto rios de dinheiro do contribuinte para combater tais problemas, e ainda assim a taxa de desemprego encontra-se em 9,7%.
“Chegamos ao fim de um ano no qual seria impossível pedir um maior estímulo proporcionado pelo governo, e ainda assim perdemos cinco milhões de postos de trabalho”, destacou Rosenberg. “O que mais pode ser feito? A redução da alavancagem prossegue, mas o estímulo do governo já ficou para trás. Isso representa grandes problemas para um analista econômico.” A verdade é que, para salvar o mundo do colapso econômico, transferimos para o público as obrigações do setor privado. E nem todos os países dispõem de dinheiro suficiente para arcar com os encargos
dessas dívidas ou para pagá-las.
“Estamos num colapso de crédito pós-bolha, e haverá períodos de calmaria e de tormenta. Os investidores terão de manobrar em meio à volatilidade”, disse Rosenberg. “Infelizmente, acho que ainda estamos nos estágios iniciais. A próxima recessão chegará antes do que as pessoas acreditam.”
As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.
(Gretchen Morgenson)

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